Saudade de um Homem Bom – Testemunho de Manuel Poppe

 

Saudade de um Homem Bom – Testemunho de Manuel Poppe



Manuel Poppe



Na curta passagem por este mundo, que é sempre pouco o que se vive, há quem empreste à vida um sentido e há quem lhe passe ao lado - à margem dos dias e dos outros. João de Sá Coutinho Rebello Sotto Mayor, 4.º Conde d’Aurora, deu à vida amizade e sinceridade, assumiu-a com paixão e exigência, difíceis de sustentar, mas de que nunca – e até ao fim – desistiu. “O Inferno é cá neste mundo”, escreveu Camilo; basta, porém, acender uma vela, suportar o ardor da estearina a derreter-se – é o tempo que vai…–, o fulgor da chama insubmissa, tocha que nos conduz, e, logo adiante, brilham alminhas, sócias de aventura, necessitadas de verdade e companhia. É estender-lhes a mão e o Inferno encolhe, cede o lugar à alegria.

Durante as quase três décadas em que exerci funções diplomáticas, cruzei pessoas assim e assado. Sobre esse mundo, publicaram-se dois livros, já clássicos, carregados de ironia e alguma crueldade: Esprit de Corps, de Lawrence Durrell, e Les Ambassades, de Roger Peyrefitte. Nunca, a mim, me puxou a pena para o mesmo: retratar uma realidade complexa e humanamente interessantíssima – e não porque a quisesse poupar: é que me deu muito e muita tolerância. Anarquista conservador, divisa de Joseph Roth, que adoptei, bicho de carne e osso, com o bem e o mal às costas, inconformista e independente, mantive, ao longo dos anos, a minha colaboração nos jornais, escrevi os meus livros, muitas vezes incómodos, sempre absolutamente independentes – e jamais alguém me admoestou. Fui livre. Retribuo aos meus camaradas de trabalho a compreensão que recebi deles.

Mas não vim aqui para falar de mim – recordo, trago de volta ao coração, um amigo morto.

Conheci, em Roma, o Embaixador Sá Coutinho. E o que, desde logo, o distinguiu foi que, no mundo maravilhoso italiano, universo aberto, generoso, vivo não destoava: ele também o era.

Homem amigo do outro homem, homem de prol, à mão, ao nosso lado, compreensivo, companheiro de ventura, exemplo de coragem, de carne e osso, a recusar máscaras protectoras.

Diplomata exemplar, a sua qualidade extraordinária era ser ele: um amigo.

E, com isso, transmitia a grandeza do país que representava.

Saudade, eis o que sinto, hoje e agora que o evoco.

Saudade do amigo que revelava aos estrangeiros aquilo que somos: o país mais antigo da Europa, de gente boa e abnegada, de uma só cara.

Saudade do diplomata, do embaixador que honrava a função.

 

In: LIMIANA – Revista de Informação, Cultura e Turismo n.º 29, de Outubro de 2012

 

Manuel Poppe

Manuel Poppe é Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa.

Foi o primeiro Conselheiro Cultural junto da Embaixada de Portugal em Roma, de Dezembro de 1974 a Maio de 1989; exerceu as mesmas funções em S. Tomé, onde dirigiu, também, o Centro Cultural Português, de Junho de 1991 a Abril de 1996; foi nomeado Conselheiro Cultural junto da Embaixada de Portugal em Telavive, em Maio de 1996, abrindo, ali, os serviços culturais; foi nomeado em 29 de Junho de 2001 Conselheiro Cultural da Embaixada de Portugal em Rabat, Marrocos, onde dirigiu, também, o Centro Cultural Português (até Maio de 2003, quando regressou ao MNE).

Exerceu, de 1962 a 1974, a crítica literária no “Diário Popular” de cujo suplemento cultural foi co-responsável. Foi conselheiro literário da Colecção “Unibolso”. Colaborou em diversas revistas e jornais: “Colóquio”; “A Nova Renascença”; “Rumo”; “O Tempo e o Modo”, de que foi fundador; “Ler”; “Praça Velha”, da Guarda; “Informaciones”, de Madrid; “Quaderni Portoghesi”, da Universidade de Roma; nas revistas “Moznaim”, orgão oficial da Associação dos Escritores Israelitas; “Mitan” e “Iton 77”, de Telaviv; “Jornal de Letras”; “O Século”; “Diário de Notícias”; “A Rabeca”, de Portalegre; “Terras da Beira”, da Guarda; “Independente”, colunista do “Jornal de Notícias”, de 1978 a 2011.

É autor de cerca de vinte obras e sócio fundador da Associação Portuguesa de Escritores.

 

Ponte de Lima no Mapa

Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

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