Embaixador João de Sá Coutinho – Memória de um Grande Senhor, por Daniel Campelo

 

Embaixador João de Sá Coutinho – Memória de um Grande Senhor, por Daniel Campelo



Daniel Campelo
Ex-Presidente da Câmara Municipal de Ponte de Lima



No período em que exerci funções autárquicas em Ponte de Lima tive o privilégio de conviver com o Embaixador João de Sá Coutinho por muitas vezes e por razões muito diversificadas. Em todas as suas facetas pude constatar tratar-se de uma personalidade rara em Ponte de Lima e no país. Diria mesmo que foi do melhor que encontrei na minha vida política, no que respeita à elegância do trato e à correcção das relações pessoais e institucionais que, por força do meu cargo, tive de desenvolver continuadamente com o Senhor Conde d’Aurora.

Ainda na qualidade de Diplomata, pediu-me uma audiência para oferecer os seus serviços em prol do meu projecto para Ponte de Lima. Nessa condição, fez tudo o que o Município lhe pediu e sei que assim procedeu para muitas pessoas e instituições limianas. Quando regressado a Ponte de Lima, em consequência do término da sua brilhante Carreira Diplomática, pediu nova audiência ao Presidente da Câmara para reafirmar a sua total disponibilidade em "colocar os seus serviços ao dispor do Município", pedindo que lhe fossem dadas instruções quanto a possíveis missões de interesse do concelho, já que agora iria dispor de mais tempo. Confesso que estes dois momentos foram para mim de um significado profundo e raras vezes igualados por outras personalidades.

Lembro perfeitamente o momento em que, na sua casa, ao receber o Presidente do Governo da Junta da Galiza, D. Manuel Fraga Iribarne, meteu as mãos ao bolso e, em nome da hospitalidade limiana e da sua família, ofereceu-lhe a chave da Casa de Nossa Senhora da Aurora, como sinal de uma aliança desejada do Vale do Lima para com a Galiza, a qual, por esse tempo, vivia um período áureo de relações de cooperação com o Norte de Portugal. Como Embaixador respeitado e conhecido em Espanha favorecia, assim, a colocação das atenções sobre Ponte de Lima e do trabalho que à época estava a ser realizado, nomeadamente no que concerne ao turismo de habitação e ao turismo no espaço rural.

O Conde d'Aurora tinha o génio de um diplomata culto e experiente, para além de uma característica notável que o diferenciava, sobremaneira, da generalidade da aristocracia – rompia os momentos pesados do protocolo com um humor único e com gestos reconfortantes de boa disposição, nem que fosse com um levantar brusco de mesa com o simples pretexto de fumar um cigarro. Dessa forma, resgatava com frequência alguém que não se sentisse integrado nos ambientes fastidiosos das recepções protocolares ou de cerimónia. Com ele, à mesa ou no sofá, havia alegria e boa disposição, quebrando o gelo em muitas reuniões de ambiente pesado e transformando a perspectiva de outras com tédio anunciado. O humor das suas palavras fazia o momento mais ligeiro e apetecível e, com frequência, carregavam uma forte mensagem, incluindo de sátira ou de crítica objectiva sobre os temas da conversa ou debate.

Com requinte e pontaria certeira fazia e desfazia momentos, muitas vezes com um simples e sentido sorriso, que era, sem dúvida, uma das suas maiores especialidades.

Na sua dimensão social não posso esquecer a colaboração pronta que sempre evidenciou, mesmo nas ocasiões de alguma contrariedade à sua preferência, de que é exemplo o momento em que o Município precisou de usar os seus terrenos por utilidade pública municipal. Negociar os bens materiais não era a sua especialidade e evidenciava mesmo alguma relutância em se ocupar com esses processos, para ele desconfortáveis.

Recebendo em sua casa Presidentes da República, governantes e diplomatas, nacionais ou estrangeiros, em momentos de informalidade, nunca perdia a oportunidade de promover os valores de Ponte de Lima e da região. Foi, até ao fim da sua vida, um verdadeiro embaixador da sua terra, da cultura e das suas gentes (tal como seu Pai o havia feito). Esta forma rica e autêntica de receber repetia-se na largada da Vaca das Cordas, nos jantares ou recepções para que muitas vezes me convidou ou nos momentos protocolares inerentes às suas funções de Estado, que tão exemplarmente exerceu a bem de Portugal.

Poderia em linguagem simples e bem perceptível pela maioria do comum dos cidadãos resumir tudo numa curta frase: João de Sá Coutinho, o Conde d'Aurora, foi em toda a sua dimensão um verdadeiro SENHOR.

Publicado na LIMIANA – Revista de Informação, Cultura e Turismo n.º 29, de Outubro de 2012

 

Ponte de Lima no Mapa

Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

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