Memórias de um Pai, por Rosário Sá Coutinho

 

Memórias de um Pai, por Rosário Sá Coutinho



Rosário Sá Coutinho



Escrever sobre o nosso pai nunca é fácil, muito menos quando a sua partida é ainda tão recente. E não creio que umas quantas páginas sejam suficientes para dizer tudo sobre o nosso pai. Ou a nossa mãe. Suponho que todos digam o mesmo de seus pais – que eram pessoas especiais.

Os amigos e colegas de profissão relembraram o seu papel em África, o episódio do “Piratinha do ar”, a despedida ao Papa João Paulo II aquando da visita deste a Timor-leste, ou outros momentos da sua carreira de diplomata. As minhas memórias são forçosamente as de um pai. Um pai que me contava histórias de bichos, inventadas por ele à medida que progredia na narrativa, e que acompanhava com vários efeitos sonoros, como assobios ou o rufar dos dedos no braço da cadeira a imitar os cascos de um cavalo. Sentada ao seu colo, viajávamos os dois na penumbra de uma sala, onde um ruidoso aparelho de ar condicionado tentava afastar o tórrido calor africano. Cansado de repetir as mesmas histórias todas as noites, lembrou-se de as gravar para que eu as ouvisse ao adormecer. Um pai generoso, compreensivo, e que perdoava incondicionalmente todas as minhas falhas. Mas também um homem com um sentido do dever e honestidade inabaláveis. Um dia, vínhamos de férias para Portugal, mandou devolver o meu bilhete de avião que viera erradamente em primeira classe. Explicou-me que os familiares dos embaixadores tinham apenas direito a bilhetes de classe turística, e mesmo esses, pagos em parte pelo próprio. Podia ter deixado correr, mas não. Não podia, e nunca o faria. O seu é um exemplo que quero seguir.

De tudo, talvez o que mais falta me faça no dia a dia é o seu sentido de humor, sempre fresco e oportuno, uma graça espontânea na ponta na língua que nos apanhava de surpresa e nos fazia rir. Aliás, os meus pais gostavam de rir e a boa disposição reinava em casa, nos serões animados com família e amigos que chegavam de todas as partes a esta sua vila de Ponte de Lima. A Casa de Nossa Senhora d'Aurora, que ele tanto amava e de onde detestava ter de sair – como eu o compreendo! Saudade.

Publicado na LIMIANA – Revista de Informação, Cultura e Turismo n.º 29, de Outubro de 2012

 

Ponte de Lima no Mapa

Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

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