A Mulher e o Amor na Poesia de Luís de Sousa Dantas, por Cláudio Lima

 

A Mulher e o Amor na Poesia de Luís de Sousa Dantas, por Cláudio Lima



Cláudio Lima



Desde os poemas iniciais, publicados no Cardeal Saraiva nos anos sessenta, até ao último livro - Bolero Bar - publicado em 1974, a poesia de Luís de Sousa Dantas privilegia de forma constante e consistente uma visão, por vezes serena, por vezes arrebatadora, da mulher como amante e do amor como primeiro e principal impulso da vida e da poesia. Repare-se neste poema, de ressonâncias camonianas, saído naquele semanário na edição de 5 de abril de 1968:

Amor é ver-Te sempre em toda a parte,

Ouvir a tua doce voz dentro de mim,

Olhar à noite a Lua e logo cuidar-Te

Nas tuas faces perfumadas de jasmim!

 

Nossa Alma enternecida junto ao mar,

Escutando de mágoas sempre a tua voz,

O amor é estranha vontade de chorar

O Amor é afinal Deus

e somos nós!”

 

Pedras Verdes, seu primeiro livro, publicado em abril de 1970 (tinha ele 24 anos incompletos), sendo um conjunto heterogéneo, caraterístico das primícias líricas de um autor, na diversidade de registos, ritmos e atmosferas, - em todos os seus momentos e movimentos constatamos uma confluência àquele irresistível núcleo de enamoramento, misto de contemplação e de desejo. “Essa descoberta (da beleza do teu corpo) foi o princípio do mundo, e da minha poesia”. (pg. 11)

A. Garibáldi, no breve Prefácio que assina, refere o livrinho como “açafate de versos — cândidos uns, lúbricos outros”; Fátima Rodrigues e jota álamo (este também autor da capa e das sugestivas ilustrações) convergem em considerar esta poesia “impregnada” e “devorada” por “um lirismo romântico e erótico”, juízo que considero mais conforme a letra e o espírito que a sustentam.

De facto, se o jovem poeta se não coíbe de expor os seus sentimentos e volições, nunca o faz, por sensibilidade e pudor, em termos lúbricos e levianos, deixando resvalar o estro para o domínio do banal obsessivo. Se o corpo está presente é como suporte de mais altos e sublimados impulsos, tendo como objetivo a exaltação da mulher amada, numa passagem “do instinto ao amor”. (pg.53)

“os meus olhos    os meus olhos nos teus

escrevem um poema.

 

um poema de silêncio    de palavras mudas

que a alma lê e entende.

 

(…)

 

um poema

 

o mesmo poema que os teus olhos

nos meus

também escrevem.” (pgs 45/46)

 

Em Bolero Bar, se a mulher continua a merecer o centro da sua pulsão lírica, é já em tons mais sombrios, de denúncia e revolta contra a degradação a que a sociedade, não raras vezes, a condena. É um poema-libelo contra a prostituição.

O Bolero, que o pecador que sou também esporadicamente frequentou, era naquele tempo um bar rasca, onde pindéricas orquestras e bocejantes meretrizes aguardavam a clientela noturna que do Martim Moniz, do Intendente e da Almirante Reis iam ali por álcool e sexo a módicos preços. Não admira que o jovem e romântico poeta limiano se deixasse impressionar pelo aspeto deprimente que tal ambiente proporcionava.

Abre o livro com epígrafes de José Gomes Ferreira: “É tão fácil dizer que saem dos olhos das mulheres andorinhas verdes” e de Allen Ginsberg: “…mas eu morrerei apenas pela poesia que há-de salvar o mundo”. Não é por acaso que evoca um poeta militante português e um  fraturante iconoclasta da beat generation.

Sensibiliza-se com a rameira escanzelada, que na penumbra da sua solidão “sonha ainda    do cais    um marinheiro” (pg.43), mas é a uma jovem, lançada pelos baldões da sorte no turbilhão da rua, que dedica o mais puro e o mais fraterno do seu sentir e da sua expressão poética:

“não foi o corpo e tu

bem sabes, rapariga

 

deitei-me apenas ao

lado dos teus olhos” (pg. 39)

 

Nada fazia prever que este ia ser o último livro de poemas de Luís de Sousa Dantas. Se Pedras Verdes constituíam uma agradável revelação, o Bolero Bar confirmava inequivocamente uma vocação poética, balizada por um lirismo bem tipificado da ribeira Lima, mas ao mesmo tempo, ou alternadamente, sacudido de inconformismo e repulsa pelo atropelo vil dos mais indeclináveis valores do humanismo e da civilização. As razões que o moveram a um silêncio posterior julgo que nunca expressamente as revelou. E não adiantará muito rodeá-las de conjeturas.

Na busca de algumas pistas, apenas consegui descobrir que em 1999, na coletânea que a tertúlia Rio de Prata regularmente publicava pelo Natal - Florilégio de Natal - , colaborou com um curto poema alusivo ao tema. Pela sua raridade, se inclui na breve antologia que complementa este apontamento.

 

Antologia

 

Soneto

 

Ontem você ia tão linda no seu vestido a estrear,

Seda fina, cobrindo, em seu corpo de sereia

Formas de Vénus ou de Ninfas nuas ao luar

Pelas noites cálidas de Agosto e Lua-Cheia!

 

Docemente roçou a meu lado — Lembra-se? (Anjo?

Menina e Moça? A Lua?  O Céu nos seus olhos? — Eu cismei!)

E você levou as mãos morenas, num arranjo

Aos cabelos de que eu, confesso, tanto gostei!

 

E por vezes basta um só gesto, um sorrir a olhar

P’ra que a nossa Alma se encha logo de quimeras

Sonhando o Amor, na Vida, todo em Primaveras!

 

Era disto afinal — vê? — que eu lhe queria falar

Pedir, em meu soneto, se aviste comigo

Me deixe ser de si Alguém… Inda que um amigo.

 

Jornal Cardeal Saraiva de 5/7/68

 

 

tu – poema

 

o teu riso de criança

a brincar nos meus dedos!

 

a música das tuas mãos

em vibrações no meu sangue!

 

a força

 

a expressão lírica

 

dos teus olhos

 

nas minhas noites

de escrever poesia!

 

era assim que eu queria um poema!

 

De Pedras Verdes (1970)

 

 

À Lélia

 

contigo agora  no bolero-bar ou em Manhattan é o mesmo:

há pássaros recolhidos dentro de nós caídos das árvores

com folhas muito velhas de alegria e jazz

 

a morte de Armstrong estremeceu em todas as orquestras

e aqui ficamos de mãos bruscamente amarradas

 

as prostitutas esta noite inclinaram-se no fundo da

alma e recusam-se desvendadas pelas próprias lágrimas

 

entretanto as trompetes nas Caves de Nova Orleães

endoideceram e ouve-se perfeitamente contra os

nossos rostos Just a Closer Walk

 

De Bolero Bar (1974)

 

 

Poema

 

Venderam os bois, o linho

o perfume das arcas

e partiram.

 

Crianças de susto

mulheres de canto

estrelas sem luz.

 

Dezembro, dezembro…

faz muito frio

em dezembro.

 

De Florilégio de Natal (1999)

 

Publicado na LIMIANA – Revista de Informação, Cultura e Turismo n.º 24, de Outubro de 2011

 

Ponte de Lima no Mapa

Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

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