Rúben Brandão – Como se cimenta uma amizade, por Rui Quintela

 

Rúben Brandão – Como se cimenta uma amizade, por Rui Quintela



Rui Quintela



Por saber que eu fui um dos melhores amigos do Rúben (no caso vertente, tenho o privilégio de poder afirmar que essa grande amizade era recíproca), o Director da Limiana desafiou-me a escrever algo sobre o saudoso epigrafado. Claro que não me fiz rogado, porquanto, após o seu precocíssimo decesso, esse foi sempre o meu desejo. Mau grado a grande vontade – como amigo e apreciador dos seus talentos literários, considerava um dever – reconhecia, no entanto, que me faltava engenho e arte para o fazer.

Muito embora, no meu modesto entendimento e, pondo de parte a amizade que nos unia, o Rúben fosse merecedor dos maiores encómios, sobretudo pelos seus dotes literários, não vou entrar pelo discurso laudatório, pelo simples facto de saber, de antemão, que alguém, altamente qualificado, o poderá fazer, após douta, ponderada e desapaixonada análise da sua obra, sobretudo na vertente da poesia, mas não só. Deixando para quem de direito a vertente encomiástica, quedar-me-ei pelo sentimento de amizade que, sincera e reciprocamente, cultivámos.

José Cardoso Pires, Escritor neo-realista, autor, entre outros, do conhecidíssimo romance a Balada da Praia dos Cães, dizia que “grandes amizades fazem-se no trabalho”. Complementando o raciocínio do também já desaparecido Escritor, pude concluir, com conhecimento de causa, que grandes amizades também se fazem na vida estudantil. (a) Foi o que aconteceu entre o malogrado Rúben Brandão e a minha pessoa.

Conheci o Rúben, de seu nome completo, Rúben Maria Moreira Brandão, no Externato Cardeal Saraiva.

Como nasceu esta amizade, foi coisa que nunca questionei até ao dia em que o Dr. José Pereira Fernandes me desafiou para escrever acerca do Rúben. Estou quase tentado a dizer, como qualquer criança diria, que nos tornámos amigos porque sim. Com efeito, até esse dia, sempre pensei que tivesse sido uma espécie de amizade “à primeira vista”. E, até, também seria. Porém, após alguma reflexão retrospectiva, cheguei à conclusão de que esse sentimento recíproco ou, se quisermos, essa amizade “à primeira vista” resultou de algumas afinidades entre ambos. Ora vejamos:

1.ª Ele chamava-se (b) Rúben e eu chamo-me Rui. Esta semi-afinidade nominal determinou, logo à partida, que fôssemos colegas de carteira. Convenhamos que este facto, por si só, constituía uma razão de peso. Fora, por assim dizer, a mãe das outras razões;

2.ª Pelos “apartes” opinativos que tínhamos o topete de formular nas aulas de Francês, a Professora que ministrava aquela disciplina, D. Guiomar Carneiro, felizmente ainda viva, apodou-nos de “filósofos”. No meu caso, presumo que sarcasticamente. Já no do Rúben, quem tiver a oportunidade de ler a sua obra literária (c), poderá concluir tratar-se de um ápodo premonitório, uma vez que viria a revelar-se um Pensador na verdadeira acepção da palavra. Aliás, não foi por mero acaso que se licenciou em Filosofia;

3.ª De igual modo, dada a nossa origem aldeã, ambos fomos apodados de parolos por alguns colegas da vila;

4.ª Ambos tínhamos algum jeito para o desenho, sobretudo no que à caricatura diz respeito;

5.ª Apesar de parolos, consideraram-nos, no Externato Cardeal Saraiva, alunos acima da média (d);

Infelizmente, nem em tudo fomos afins.

Para descodificar o sentido do parágrafo anterior, inspirando-me no soneto de Bocage que começa com o verso Camões, Grande Camões, quão semelhante, ouso – piorarando ainda mais o texto que me atrevi a dar à luz – poetar duas quadras mal rimadas e pior escandidas, ficando-me pelas duas quadras, porque a ausência de talento não dá para o “soneto” completo:

 

Rúben, grande Rúben, quanta afinidade

Encontro, ao comparar a nossa vida fremente

Que cimentou uma sincera amizade

A que o destino pôs fim, precocemente!

 

Se é certo que em algumas “habilidades” te igualei,

Tenho de reconhecer, para meu fadário,

Que nem aos teus calcanhares cheguei

No que respeita ao teu talento literário. (e)

 

P.S.
Rúben, lá no sítio certo onde te encontras, perdoa a este velho amigo (ou amigo velho?) a pobreza franciscana deste poetaço que me atrevi a vestir-lhe a pele. À semelhança do Herman José, dirás lá para os teus botões: Caramba, Rui, não havia nexecidade…

 

Notas

(a) Embora o estudar dê trabalho, eu tenho o entendimento de que a vida estudantil não é propriamente uma profissão, mas sim a preparação para a vida laboral. Só nesse pressuposto é que a minha conclusão poderá ser considerada.

(b) Que mágoa que sinto por ser obrigado a usar este verbo no pretérito imperfeito.

(c) Acalento a esperança de que venha a ser publicada. Mais vale tarde …

(d) Em nome da justiça, o Rúben poder-se-ia considerar um aluno acima da média alta.

(e) Esta segunda quadra pode deixar transparecer algum sentimento de inveja da minha parte. Tenho de confessar que, se o facto de aspirar a escrever como o Rúben Brandão é inveja, então reconheço ser invejoso. 

 

Correlhã, princípios de Novembro, ao cair da folha… de 2011

Publicado na LIMIANA – Revista de Informação, Cultura e Turismo n.º 25, de Dezembro de 2011

 

Ponte de Lima no Mapa

Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

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