Como vi (e vejo) Ponte de Lima

 

Como vi (e vejo) Ponte de Lima





Daniel Campelo
Ex-Presidente da Câmara Municipal de Ponte de Lima



Naquela primeira semana de Janeiro de 1994 subi ao planalto da Senhora do Minho e junto à antiga capelinha pus-me a contemplar o vale do Lima com um caderno onde costumava escrever as minhas ideias e rascunhar alguns projetos ao jeito de um planeamento adaptado ao meu perfil de pensamento e de conservação da memória daquilo que via ou me ocorria. Era o mesmo caderno que tinha viajado comigo durante dois anos pela Inglaterra e pelos terrenos altos da Escócia, com longas paragens em muitas pequenas cidades e aldeias por onde estavam e ainda estão espalhados os “Colleges” de Agricultura e Desenvolvimento Rural. Perguntava a mim próprio: e agora o que vou eu fazer de melhor por esta terra tão grandiosa de história e de beleza, que possa merecer a confiança que em mim depositaram os seus residentes e assim torná-la mais atrativa e mais confortável para quem nela quer viver?

O Plano de Atividades e o orçamento municipal estavam aprovados pela Camara e Assembleia anteriores mas esses documentos de pouco me valiam. Precisava de uma ideia de fundo e um fio condutor do modelo de desenvolvimento para um horizonte mínimo de 10 a 20 anos, já que o planeamento municipal era quase inexistente em Portugal e iniciava os primeiros passos com muitas dúvidas e confusões à mistura. Faltava o planeamento estratégico que em Inglaterra havia começado em 1948 nos escombros da 2ª Guerra. Ponte de Lima havia beneficiado de um primeiro Plano lançado pelo Estado em ligação com a Camara, “Ponte de Lima uma Vila a Proteger e Reabilitar”, ao qual haviam dado enfase e apoio os meus antecessores, João e Francisco Abreu Lima e Fernando Calheiros nos 4 anos anteriores em que eu tinha sido Vereador com as áreas da Cultura, Educação, Desporto e Ambiente. Esse estudo era um bom quadro de bordo para a Vila mas era preciso lançar um plano global para todo o Concelho que era rural, bonito e com boa gente, disponível para colaborar, ensinando e aprendendo por onde estava o caminho do futuro. Claro que todos os concelhos queriam o mesmo, empregos e obras de estruturação mínima, com destaque para caminhos, estradas e lâmpadas de iluminação pública (na água e saneamento pouco se falava, pois não dava no olho). Essa aspiração era legítima e compreensível mas era preciso mais, e sobretudo era preciso convencer as pessoas e os fazedores de opinião que não podíamos exagerar nessa preferência e que o futuro estaria muito mais nos processos de educação e de valorização cultural e económica do território. Não era coisa fácil pois eram procurados votos de 4 em 4 anos e o asfalto fazia os milagres mais baratos…ainda hoje é assim!...

Olhando o mundo que tinha visitado e estudando as tendências do desenvolvimento nos países mais avançados não tive dúvidas naquilo que seria melhor para Ponte de Lima. As grandes dúvidas eram se as pessoas e as instituições locais iriam apoiar esse caminho que exigia planeamento a longo prazo e firmeza nas opções que não eram tão populares até então. Investir mais na educação, cultura e no ambiente do que nas obras de caminhos e nas do alindamento dos largos e adros era algo arriscado do ponto de vista eleitoral mas era a única opção para a prazo sermos melhores e mais satisfeitos com a aplicação das verbas públicas. Fiquei eu então convencido dessa minha obrigação ética e moral de não temer as reações negativas e de estar preparado para ter de combater externa e internamente por esse objetivo estratégico e crucial para vencer a prazo.

Criar emprego em fábricas e empresas de serviços era importante e foi feito o possível à semelhança de outros municípios vizinhos mas eu tenho a certeza que o desenvolvimento de um ambiente mais favorável à vida das pessoas e das empresas é muito mais determinante na criação de melhor emprego e de melhor economia sustentável. Ponte de Lima tem potencial para estar na vanguarda daquilo que já é a maior procura no mundo civilizado e desenvolvido e que alimenta a maior indústria mundial, o turismo, e que está hoje a crescer em Portugal na ordem dos 20% ao ano, crescendo a esse ritmo nos últimos 10 anos. Era preciso exaltar os valores que fazem o verdadeiro desenvolvimento, a falta dos quais está hoje, como ontem, na base dos conflitos mundiais, da fome e da miséria em todo o mundo. Educação, cultura e meio ambiente serão ainda no futuro o único caminho para a prosperidade e para a obtenção dos índices maiores de felicidade e bem estar. Face a essa realidade não podemos cristalizar no nosso ego cultural e acharmos que somos o centro do mundo ou os melhores. Temos de ser firmes na conservação dos valores materiais e imateriais que são a nossa grande riqueza e por outro lado adaptar o uso de alguns desses valores aos tempos e á evolução natural das civilizações. Já não faz sentido lançar tantos foguetes na Páscoa e muito menos às 5 da manhã, ou colocar os ruidosos altifalantes todo o dia a anunciar uma festa, ou a dar horas eletrónicas nas torres das igrejas 96 vezes ao dia. Esses rituais são hoje um indicador de subdesenvolvimento. Temos de ser mais criativos e direcionar esses recursos económicos para criar espirito de comunidade mais útil e com maior autenticidade. Tal pode obrigar a um intenso diálogo cultural com a Igreja e as Comissões de Festa. Basta ver um grande exemplo da Festa do S. Miguel de Cabaços que para mim, do ponto de vista cultural e educativo, é a melhor festa popular e também com cariz religioso do nosso concelho, depois das Feiras Novas. Ou a Festa das Colheitas na Gemieira. Temos de evoluir reforçando a proteção dos tesouros que ainda possuímos. Os pensadores e estudiosos estão a colocar em causa certos modelos de turismo assentes no fenómeno de massas envolvidas pelo excesso do álcool e da noite sem limites e à revelia dos valores culturais locais. Esse turismo não tem futuro e talvez nos deva fazer repensar alguns usos e costumes muito recentes das nossas festas locais.

Um dia perguntou-me um jornalista de um jornal local, no balanço das obras realizadas, com excelentes acessos e equipamentos culturais e educativos, boas infraestruturas, bons níveis de atendimento na água e saneamento, baixo custo de serviços e dos mais baixos níveis de impostos locais do País, “ …com tanta coisa boa que Ponte de Lima já tem, o que é que falta a Ponte de Lima?”. Eu respondi: “ Viajar mundo fora.” Com isso eu quis significar a necessidade de nos distanciarmos do nosso bairro e dos excessos de bairrismo e de limianismo e assim aproveitar a experiencia dos outros para exaltar os nossos valores latentes e que muitas vezes não aproveitamos no melhor sentido. Foi assim que se consolidaram as ideias da escola de ambiente e desenvolvimento rural das Lagoas, do Festival Internacional de Jardins, dos eventos culturais e do estacionamento urbano sustentável e gratuito, do tratamento paisagístico de espaços vitais e ainda do mais promissor projeto de educação conservacionista para a consciencialização social e ambiental das empresas e particulares alguma vez realizado em Ponte de Lima,” NÓS PELA NATUREZA”, que infelizmente foi interrompido mas que eu tenho esperança que seja retomado em Ponte de Lima e em outros municípios da região. Além da força económica que lhe está subjacente tem a força da modernidade e a enzima do sentido obrigatório para a evolução civilizacional. O convívio ativo com o “National Trust UK” proporcionou-me uma visão muito para lá da minha janela no que respeita ao património, ao ambiente e à natureza e ainda ao processo de aprendizagem em família. Enquanto em Portugal os pais conduziam os filhos aos centros comerciais para gastar o dinheiro que fazia falta na educação, no Reino Unido e nos países escandinavos reuniam-se semanalmente as famílias para conhecer e conservar os sítios e valores culturais ou ambientais espalhados pelo país, a pé ou montados em simples bicicletas, acompanhados de umas sanduiches e uma garrafa térmica com chá ou café. Hoje ainda é assim, e pior ainda para as tendências Portuguesas de incentivo ao consumo em detrimento do processo educativo, porque de bicicletas nem vê-las.

Hoje penso ainda mais radical – deveria ser obrigatório aos decisores da causa pública fazerem períodos anuais de estágio e observação em locais de excelência para poderem avaliar o que estamos a fazer e se estamos a fazer bem (já que a maioria do povo não tem possibilidades de o fazer).

Nesse caminho tive a grande felicidade de encontrar pedras basilares para a construção sólida e experiente do percurso. Muitos eram e são de Ponte de Lima mas muitos são de fora e guardam uma distância útil dos excessos de limianismo que muitas vezes nos prejudica e atrasa o caminho. A esses Ponte de Lima muito deve e não deve dispensar de nos acompanhar no percurso. Nunca nos devemos esquecer que o mundo é muito grande e nós sabemos sempre mais do que eu.

Aos arquitetos, paisagistas, arqueólogos, engenheiros, historiadores, pensadores, mestres artífices, artistas, críticos e curiosos, (mesmo os mal dizentes), muito devemos do pouco que conseguimos. Estamos apenas a menos de meio do caminho. Não esqueço as Escolas e os Professores que são o fator central e determinante na extensão desse caminho. Temos que fazer tudo para ter melhores professores e melhores escolas. Mais importante que dar carro ou telemóvel aos nossos filhos é dar-lhes verdadeira educação e cultura e fazê-los crescer no domínio de valores universais úteis. Fazê-los aprender outras línguas para dar e receber vai ser ainda mais importante que no passado (não para mudar os nomes às coisas para inglês ou mandarim…mas para poderem entrar na troca de aprendizagem desses valores ou para melhor poderem beneficiar das suas relações comerciais e económicas). Se for necessário vender o cordão, ou mesmo o carro, para proporcionar essa educação não devemos hesitar…

Vejo para Ponte de Lima e para todo o Minho um grande futuro partilhado desde que os intérpretes do desenvolvimento saibam ler os sinais de futuro e assim consigam envolver todos os concidadãos na formulação desse dever e dessa responsabilidade de acordo com as devidas prioridades. Não esquecer que Educação e Cultura continuarão a ser o antídoto da guerra e da miséria social e o Ambiente o catalisador da atração e da dinamização económica sustentável. Não podemos mais sacrificar o conteúdo à estética. Se assim fizermos teremos dado um grande passo atrás.

 21/04/2017


Ponte de Lima no Mapa

Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

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