“Um canto à nossa Terra, Um Canto à nossa Gente” – Descrições de Luís Dantas que inspiraram as telas de Valter Fazendas

 

“Um canto à nossa Terra, Um Canto à nossa Gente” – Descrições de Luís Dantas que inspiraram as telas de Valter Fazendas

 

Lourenço “O Preto” – “… Na ideia de todos quantos o conheceram e estimaram, não houve melhor flautista em terras minhotas…
E nas festas? Ah! Senhor, nas festas, a música da sua flauta rebrilhava. Nas Feiras Novas, era cartaz. Enfeitiçava mais do que o próprio fogo da meia noite.”

Pinta Ratos – “… apaixonou-se por uma acrobata magra, ainda nova, de cabelos louros. E ficou ali, apalermado, a namorá-la. Ofereceu-lhe a rosa vermelha que trazia sempre na lapela e deixou cair na serapilheira todas as moedas que guardava nas algibeiras. A dançarina fitou-o, embevecida. À noite, com o consentimento do bando, saiu com ele num fulgor desvairado. Mas quando descobriu que ele vivia nos velhos quartéis, sem eira nem beira, ficou perplexa.. Arremessou a flor para o chão e troçou da ronha do meliante disfarçado de fidalgo. Desde aí, mergulhou naquele desgosto. Mas, oh!… Quem o viu noutros tempos!”

Zé Pilauta – “De uma certa ocasião foi a Viana buscar duas toiras, prontas a cangar, para a feira. Ao regressar, calcorreadas mais de duas léguas, parou a descansar à sombra de meia canada no interior de um tasco de Lanheses. Quando saiu, tinha escurecido. Uma daquelas tardes de janeiro, sabem como é? Com chichorrobios por mor dos fantasmas, botou-se adiante dos animais e foi andando, pé ligeiro, sempre a assobiar. Mal viu um clarão, esbugalhou os olhos: cuidava que era Ponte, ao perto. Mas, qual Ponte, qual carapuça: era outra vez Viana. Como não era homem de bater nas toiras, desancou-as com insultos, desde o estirado percurso que vai das portas de Viana até à vila.”

João da Luciana – “Não imaginam a zaragalhada? “Figurou-se de temerosa bandoria a desordem que se seguiu e alastrou, desvairosa e sanguinosa briga entre populares e executantes das duas músicas…”. O acontecimento teve cobertura jocosa no “Jornal de Lisboa”: “Em Ponte de Lima houve ultimamente uma renhida desordem entre duas filarmónicas. O bombo ficou gravemente ferido, e a caixa de rufo apresenta uma ferida incisa de dois centímetros de profundidade.”
Nas lojas da vila não se comentava outra coisa. Os músicos das bandas andaram atarantados.”

Caetano Ferrajola – “Vivia no pitoresco bairro das Pereiras. Estava sempre à janela e entretinha-se com assobios e cantarolas. Enamorava-se das raparigas que iam buscar água à fonte… Era um velhote divertido.”

 João da Bomba – “Homem endiabrado e sempre afoito para espevitar as raparigas, a patroa era chamada vezes sem conta para intervir e impor o respeito. Aparecia com as mãos nas ancas, muito arredondada, avental de chita estampado às flores, má como a peste, que é o modo de dizer, a escorraçá-lo: «some-te da beira da porta, estafermo, que me assarapantas as freguesas!» ”

O Fazenda – “Cismava em ser outra vez mestre de filarmónica. Num dia de feira, desceu a calçada que dá acesso ao areal, comprou duas dúzias de músicos de barro e foi reger o sol e dó para um canto da casa.”

O João da Barca – “Os da Barca eram mestres na arte de ferrar. O João sabia magistralmente como acomodar a ferradura ao casco de um cavalo. E não tinha mãos a medir naquele tempo em que o lavrador descia á vila em cima de um garrano bem ataviado com mantas coloridas e campainhas estridentes. Iam todos descavalgar à porta da sua ferradoria.”

A República – “Foi a canalha da rua que lhe avivou a alcunha: olha a república! Viva a república!
Ela tinha os seus sonhos, os seus ideais, as suas emoções secretas. Por isso fazia caretas aos ventos modernos, nunca correu atrás das charangas republicanas, não acreditou no bacalhau a pataco, abjurou as leis frescas, a bandeira verde rubra e a nova moeda. Nas lojas ou nas feiras, protestava a seu jeito: «dois escudos? Qual carapuça! Tome aí dois mil reis.»”

Joaquinzinho – “Quando pedia, um bolo ou um cigarro, às portas da Pastelaria Havaneza, os olhos encarregavam-se de o fazer…
Descansava, depois, nas escadas do chafariz… Adormecia. Pela cabeça passavam-lhe vozes ruidosas: «p’rá frente, p’rá frente!» E sucediam-se as visões da guerra…”

O Sucateiro – “Era o pano de fundo daquela vida de pobre. Via-se a ir aos quintais, de noite, arrepanhar um cacho de uvas, uma mancheia de maçãs ou um molho de couves para o caldo. Agarrava-se à bengala e voltava para o quarto com aquele sopro no ouvido.”

O Mário – “E à boca, sedenta do primeiro beijo, voltava o estribilho: «ai rosinha, minha rosinha…» E lá ia, pelas portas das lojas, pedir esmola.”

O Guerrinha – “Deixava um testamento com dezenas de linhas em prosa e uma mão cheia de quadras. Essa folha volante, meus senhores, era uma chacota…
E em Setembro, nas Feiras Novas, voltava a alegria para animar as ruas da vila com outra das suas obras prodigiosas: os Gigantones e os Cabeçudos.”

O Zé Povo – “O Zé Povo era tido por muitos como um dos primeiros provadores de vinhos e aguardentes do lugar. A sua fama correu por aí…”

Observação Valter – E como se torna provador de vinhos? E se torna famoso por saber a que sabe uma boa pinga.

Zé Caraitas – “Foi mestre de barbearia numa loja situada na Rua de Souto. Era lá que se reunia uma freguesia de aparar o cabelo ou rapar a barba, de ler os jornais ou de matar o tempo na cavaqueira…
Era um actor nato… O riso, a alegria, o alvoroço, o gesto, a mímica, exprimiam o seu pensamento: zombarias, críticas à evolução urbana, ao casario a cair de velho e à promessa de soluções para harmonizar a paisagem e restituir a dignidade ao velho burgo.”

São Roque – “De uma vez, um locandeiro de aldeia, muito empertigado, foi ter com ele: «Furtaram-me sete galinhas da capoeira.» «Que quer vossemecê dizer com isso?» - perguntou-lhe o São Roque. «Eu sei que não foste tu, mas queria que me ajudasses a descobrir o larápio.» O São Roque coçou a cabeça. Conhecia todos os pilha galinhas dos arredores, talvez até suspeitasse de um ou de outro, mas limitou-se a aconselhar: «dê uma espreitadela às capoeiras da freguesia e se encontrar sete galinhas sem penas no pescoço, não tenha mais dúvidas: são as suas.» Horas depois, o locandeiro voltou abismado: «São Roque um raio me parta! - já as topei tal e qual.» O São Roque, dependurou o colete num dos ombros, apoiou-se na sua vara de caçador, e foi peremptório: «vamos lá buscá-las.» O pandilheiro e a amásia, com os semblantes espavoridos, negaram o furto. O São Roque cuspiu para o chão, avançou dois passos e disse-lhes de mau modo: «as galinhas estranhas, quando entram numa capoeira, são atacadas pelas outras.»”

Pai Quim – “No largo, correu logo a notícia: «chegou o Pai Quim, do Brasil. Traz uma mala a abarrotar de dinheiro.» Pois, podia lá chegar à terra «brasileiro» sem fortuna? Mesmo em casa, à luz do candeeiro de petróleo, também os filhos (ainda pequenos) aguardavam pela abertura da mala. Que tesouros iriam sair lá de dentro? Num ambiente de euforia, com o mangador a rir-se ou a mofar do destino, abriu-se a mala. Tirou de lá sapatos velhos, um harmónio e um maço de cruzeiros que, depois de alborcados, perfaziam oitocentos mil reis. Governou-os, até arranjar o emprego de estafeta.”

Manuel Cauteleiro – “Chegavam sempre os três às feiras de Ponte: o cego, o rapaz e o jerico. O Manuel era o rapaz. Escapuliu-se da escola para alumiar o cego nas jornadas, nas tabernas, no escambo, no seu negócio ambulante. O jerico servia de meio de transporte de um ou de outro e de escaparate: caia-lhe sobre o dorso uma manta ataviada de bilhetes de lotaria.
Aos pregões do aguadeiro, da cigana, da varina, do homem das gravatas, do vendedor das pomadas milagrosas, juntava-se a voz indolente e escanifrada do cego: - «Há dias de sorte!» ”

João da Mena – “Quem quiser saber das usanças e costumeiras da vila – desde os tempos mais recuados – só tem um atalho: botar os sapatos na caixa de engraxar do João da Mena.”

João Nabiça – “ «Só uma ocasião, num dia de muito calor, é que escapei de um desfile de rua para matar a sede com meio quartilho. Tive de esperar pela minha vez no balcão, atrasei-me e saí do tasco, num redemoinho, a tempo de tocar.»…
… “em dias de Feiras Novas, ouviam-se umas poucas de vozes a cochicharem assim: toma do vinho a maneira de tocar o diabo da caixa. De uma maneira ou de outra, ao engendrar o som, as batidas eram mágicas.”

Zé Ferreiro – “… a doutora Ifigénia, professora com muita sensibilidade, perguntou-lhe:
- «Zé, você não quer aprender a ler?»
- «Isso era o que mais queria neste mundo, mas quem é que faz alguma coisa desta burra?»
- «Vamos a ver.»
Ia tudo tão bem, mas no exacto momento de juntar as letras foi o que se viu: as palavras esgarabulhavam diante dos seus olhos.
 A professora consolou-o: «você não é burra nenhuma. Tem dificuldades na aprendizagem porque é dislexo. Deixe lá: o Einstein também era.»”

O Cachadinha – “De vista perspicaz, ouvido afilado, face resplandecente, desafiava os melhores cantadores das redondezas naquelas manhãs de um homem cabecear com sono…”

Observação Valter – Aí está a concertina… Para quem sabe tocar.

O Se Luís – “Homem simples e honesto, procurava trabalho em qualquer lado. Era um mouro, mas tinha as suas folgas. Podia abdicar de um sábado ou de um domingo, mas nos dias de romaria e de feira em Ponte não condescendia.
Ao segundo dia da semana, de quinze em quinze dias, vinha sempre à vila.”

Zé Brandão – “Trazia algumas raparigas pelo beiço, mas o arrimo da sua vida era uma menina enclausurada no colégio…
Fazia-lhe versos. E serenatas na tradicional toada coimbrã…
Ela vinha à janela mostrar-se um pouco e agradecer com luz de tocha. Ficava nas alturas um clarão resplandecente.”

O Néu Franquinha – “Fez-se cicerone. Guiava os forasteiros, mostrando-lhes os monumentos da vila…
Á saída da ponte, voltava à direita, descia o passeio, ficava a olhar o rio. «O Lima corre para o mar e corre também em muitos dos versos dos nossos poetas.»…
E depois, na fala requebrada lá vinham os versos do senhor doutor Teófilo Carneiro: «Cantam p’ra mim as águas transparentes / Do rio mais formoso do país!… // Olhai-o: lá vai ele, vinde ouvi-lo, / Não perturbeis a paz do seu encanto! // Ah! Como é manso e brando o seu estilo! / Deixai correr as lágrimas em pranto!…» ”

As Lavadeiras do Rio Lima – “Lavar no rio foi uso antigo. O nosso rei trovador deixou esse quadro a bailar numa cantiga de amigo...”

 

Ponte de Lima no Mapa

Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

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