A Vaca das Cordas vista pelo Conde d’Aurora José de Sá Coutinho

 

A Vaca das Cordas vista pelo Conde d’Aurora José de Sá Coutinho

In: A Tradição Taurófila do Lima, 1923



José de Sá Coutinho

3.º Conde d'Aurora



Já nos mais antigos e carcomidos alfarrabios guardados de há séculos na poeira dos arquivos fradescos ou camararios, se fala nas corridas de toiros de Ponte de Lima, e perde-se na bruma imemorial dos mais arrecuados tempos a tradição lendária da vaca das cordas, que ainda hoje se realiza na linda vila do Lima, em vésperas de Corpus Christi.

A velha usança, como manda o regulamento arquivado nos anaes da Câmara, compilados por Miguel Lemos, consistia em a vaca brava ser conduzida pelos moleiros, à hora de vésperas, até ao adro da Igreja Matriz, preza a uma vaca mansa ou cabresto, como lhe chamariam os ribatejanos. Era então amarrado o animal às grades do janelão do lado sul, cujas frestas alumiam a rendilhada e pequenina capela dos Senhores de Bertiandos, onde dormem o seu longo sono eterno Fernando Pereira e sua mulher D. Leonor de Melo, sob o negro granito ornado da floreada Cruz dos Pereiras.

Terminada a função religiosa, sumidos os ultimos ecos do reboar harmonioso do cantar do orgão, espiralando ainda o ar abafadiço e môrno as ultimas nuvens de incenso, enquanto o morrão se apaga nas grossas velas de cêra que se acastelam pela banqueta do altar, saem em gracioso tropel gritos de alegria ou medo, receosos risinhos de enleio e panico, as lindas sécias da terra, a fidalguia dos arredores, a mocidade da Ribeira Lima. Momentos passados, afastado o cabresto, preza a vaca por duas longas cordas, ela ahi vai correndo as ruas da vila, escornando a garotada, investindo com os transeuntes, assustando os passeantes, tirando basófias a marchantes atiradiços e tezos, contundindo a rapaziada estroina, os garbosos marialvas, que em tardes de calma, atroam a Rua do Souto em seus pilecos andaluzes de bracejar remador e cadenciado...

Mas antes, praxe seguida e obrigatória, dava o animal bravio três voltas á Igreja Matriz. Só depois começava a brincadeira...

Trambulhões, correrias, sustos, bravatas, nodoas negras, tropelia, algazarra, e quando a vaca começava a cansar-se, é levada pelo areal, a beber ao Rio. Avança a tarde, é sol-pôsto, mais duas voltas na vila e o animal recolhe-se.

Esta tradicional cerimonia, suspensa durante anos, reatou-se ultimamente, tendo havido vaca das cordas em Ponte de Lima em 1922 e 23.

É dos espectáculos mais queridos do nosso povo, que sai todo – homens, mulheres e crianças – inundando as ruas dum enorme formigueiro humano que se acotovela e empurra e piza, correndo, gritando, gargalhando, em delírio de entusiasmo.

Texto reproduzido a partir do Boletim Municipal de Ponte de Lima n.º 14, de Agosto de 2001

 

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Ponte de Lima no Mapa

Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

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