António Vieira Lisboa

António Vieira Lisboa


 

 

A VILA E O RIO

 

A Vila

tranquila

dorme ou suspira?

junto do Rio.

 

E o Rio

safira

em fio,

de volta da Vila,

delira.

 

A Ponte já velha de tanto relento

se mira

no fundo

do Rio sedento.

 

Alheia,

num esquecimento

do que é deste mundo,

nem vê que aniquila

a areia.

 

É o equinócio

do Outono.

E o Rio no velho caminho vacila…

pára… rodeia,

enfim prossegue com cautela:

que não perturbe a Vila

no sono

d’ocio.

 

Nem vela

circula.

E o Rio areia acumula

no pensamento que o atribula

de à Vila

chegar.

 

Vem longe o Inverno que traz as cheias.

E o Rio infeliz

se afila

perdido de Amor, com ciúmes da Ponte.

Até lhe levou duas vezes as ameias.

 

E a Vila, de branco, só espera o Luar

e o rouxinol de fronte.

 

In:

Cancioneiro do Rio Lima, com organização e prefácio de António Manuel Couto Viana, Câmara Municipal de Viana do Castelo, 2001

 

 

 

 

LUAR DO LIMA

 

A Teófilo Carneiro

 

Este luar nostálgico do Lima,

    este luar que é mais azul que argênteo,

          a minha Alma sente-o…

e, o Coração que em paz recebe-o, anima.

 

Este luar iluminando em pleno

a terra doce e verde num afago

          dentro de mim o trago,

nos olhos d’Ela o vejo mais sereno.

 

Nos olhos d’Ela o vejo liquefeito

todas as tardes quando vai à fonte.

          O rouxinol que conte

o que não cabe dentro do meu peito.

 

Que placidez a do luar do Lima

na vastidão da noite que cintila!

          A sua luz tranquila,

qual barco à vela, sobe o Rio acima.

 

O Rio sobe como a luz dum Sonho

que me faz ter a esta terra apego.

          E já não sei se chego

ver no luar o Seu olhar risonho

ou se o luar nos olhos d’Ela ponho.

 

 

 

 

MONTES DA MINHA TERRA

 

Ao José Mimoso

I

Oh montes verdes da minha terra!

lá é que a minha vista se alarga…

que a minha vista de redor erra

e não se cansa e não mais os larga.

 

Monte da Nó! E a mais alta serra

das redondezas – a Serra d’Arga…

mas cuja altura não nos aterra,

mas cuja vista não nos amarga.

 

Monte da Festa de Santa Justa

e mais o da Santa Catarina!

Vosso caminho subir não custa

só pela vista que se domina.

 

Montes de flor de tojo amarela

de cor garrida que o sol não cresta!

oh montes d’oiro de Paradela

e montes brancos flor de giesta.

 

Lindo verdor dos pinheiros mansos

que com a sede vêm ao Rio!

As suas sombras: que bons descansos!

¡que frescurinhas lá pelo Estio!

 

Oh Estrada alta das Pedras Finas!

oh S. Lourenço da Montaria!

¿Caminho a pé onde é que terminas

que vais tão longe que eu também ia?

 

Caminho que eu pisara algum dia

sua lembrança p’ra sempre fica…

num eido e casa de alvenaria,

n’alguma fresca fonte de bica.

 

Caminho espera que eu também ia

rever ainda momentos caros.

Para onde vais? Para a Romaria?

Se vais, lá está A dos olhos claros.

 

Moça mais linda desse lugar

de lenço azul na fina garganta.

E sem «chieira» é mesmo uma Santa

que se apeara do seu altar.

 

Linda a cantiga que Ela me atira

ao som alegre dum velho armónio.

Sua voz fresca faz novo o Vira,

faz também novo o Seu velho António.

 

 

 

 

RIO LIMA

 

Ao Luís Ferreira

 

No leito macio espreguiça-se o Rio

que acorda do Sonho das cálidas tardes

d’António Feijó e Diogo Bernardes

 

O Sonho lá foi… mas, a margem tão meiga

é Sonho acordado

ou Sonho que volta?

 

E o pobre que vai para a sua Agonia

– eterno sonâmbulo – um ai de revolta

nem solta coitado.

 

Lá vai e diz mais um adeus para a Veiga

que já, não a via

da última volta.

 

Vai tão devagar!...

Ai como custa o nosso Lar deixar!

 

E as fontes, magoadas,

do alto dos montes e pelas quebradas

chorando, com Ele se vão abraçar.

 

E o Rio lá vai com a dor que o golpeia…

 

Agora no Estio é apenas um fio

que a sede contorce no leito de areia.

 

E passam a vau, de joelhos ao léu,

as moças de cá que são anjos do Céu.

 

Já ouço uma voz

que diz a Cantiga que ouviu aos avós:

 

«Até o joelho

vê todo o concelho.

Daí para cima

só vê quem me estima».

 

Corei d’alvoroço.

¡Se eu fosse o seu moço!...

 

Que peitos bem feitos que as blusas afligem!

Meu Deus que contornos! Té fazem vertigem.

 

Nas cheias de Inverno

(que Deus ponha embargo

p’lo menos tão cedo)

¡aí fica tão verde, tão alto e tão largo!

oh casas da vila! por vós me consterno…

Não sei como a ponte não tem até medo!...

 

Um dia não tarda

que a cubra também como o «Anjo da Guarda».

 

Nos altos dos montes, por entre os pinhais

alvejam ermidas de santas vigias…

E todos os anos há lá romarias

com danças e fogo mais lindo que os mais.

 

É o Santo Ouvídio no cume dum morro…

Senhora da Luz e Senhor do Socorro…

Senhor dos Perdidos que é todo virtude…

Senhor dos Aflitos, Senhor da Saúde…

Senhora das Dores o livre de horrores…

Senhora da Guia

o guie, o ajude

o ampare na sorte

lhe dê Boa Morte

e doce Agonia.

 

Adeus até já meu Avô, Rio Lethes…

E tu caminheiro que vais encantado

que vais enlevado

se tens muitas queixas, se tens muitas mágoas

– oh não te inquietes!

pois basta-te apenas passar suas águas.

 

Das coisas antigas, a Dor que te cansa,

as brigas do mundo, tudo isso te esquece…

Daí por diante, na tua lembrança

o Rio, só ele, de cor prevalece.

 

À tarde, tingindo-se os longes de rubro,

tu faz como eu que lá vou pela Ponte

a ver se descubro

meu bem lá de fronte.

 

E quando voltar…

olhando o poente,

virei a cantar

descuidadamente:

 

Tem duas coisas sem par

a moça dos meus desejos.

Os olhos para falar,

a boca para dar beijos.

 

E o Rio que a cheia de Inverno não turva

no leito de areia, no leito sem lodo

sem pressa desliza a sumir-se de todo

na última curva.

 

 

 

 

Sete vezes o rio há-de encher

e subir ao “Passeio” da vila.

Cada vez há-de ser lua cheia

que ao descer o Passeio vigila.

 

Doze meses é quanto medeia

cada ciclo dos tais que hão-de ser.

Sete vezes será lua cheia,

sete cheias o rio há-de ter.

 

Sete vezes, não mais, nunca menos,

p’ra que o ano nos venha folgado…

P’ra que haja bons milhos e fenos,

– a fartura da gente e do gado! –

 

In: Ponte de Lima – Outros Tempos, 2.ª Edição, 2000

 

 

 

António Vieira Lisboa

António Vieira Lisboa (António da Silva Gouveia Vieira Lisboa) nasceu em Luanda, em 1907. Licenciou-se em Direito pela Universidade de Coimbra. Viveu em Ponte de Lima (Casa da Garrida). Aqui faleceu a 13 de Junho de 1968.

Da sua obra poética: Testamento Sentimental, Poemas de Amor e Dúvida, Versos Estranhos, Mulheres, Chão de Amor, Ao Longo do Rio Azul.

Em toda a sua obra se sente a singular dominante poética: a saudade, a paisagem, a mulher, o amor; e nostalgia da infância. Vemos que Vieira Lisboa reconhecia (sentia) a criação poética como valor em si mesma sem o afastar dos lugares do mundo (aqui deixo um simples critério de apreciação da sua obra).

O (seu) dom da invenção, a sua imagética, separa-o, por assim dizer, da corrente seguidista da época. Certamente que a força desse sentimento tão verdadeiro do poeta e atento a vozes interiores não o afastam (mais o aproximam) da grandeza do lirismo português.

Amândio Sousa Dantas
In: LIMIANA – Revista de Informação Cultura e Turismo n.º 36, de Fevereiro de 2014

 

Ponte de Lima no Mapa

Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

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