Teófilo Carneiro

Teófilo Carneiro


 

 

PONTE DE LIMA (excertos)

 

Ó terra onde eu nasci, terra de encanto,

Cheia de graça, ó cheia de beleza,

Deixa afirmar, nas vozes do meu canto,

Que és a mais linda terra portuguesa!

 

Rainha da Beleza, eu te saúdo,

Eu te venero, ó deusa, em teu altar...

E rezo-te em silêncio, rezo mudo,

Cerrando os lábios p’ra melhor rezar!

 

Feiticeira do Lima, ó terra santa,

Com casinhas caiadas de luar,

Tens o gentil donaire duma infanta

Num trono verde-luz a palpitar.

 

Noites da minha terra, ó noites belas,

Bordando a prata os campos de veludo!

Sinto na graça viva das estrelas

Uns olhos meigos, que p’ra mim são tudo!...

 

Terra do Lima, ó terra de esfolhadas,

Revê-te bem nas águas do teu rio,

P’ra agradar’s aos moços das malhadas,

Que estão cantando além ao desafio!

 

Ó terra abençoada, onde escutei

Tanto segredo em tanta boca amada,

Conta-me os teus também, que os guardarei,

Como se fosses minha namorada!

 

Agora volta a face, olha p’r’àquelas

Que vão encher à fonte os cantarinhos…

Diz-me se pode haver caras mais belas,

Calcando o pedregulho dos caminhos!

 

Ponte de Lima, ó terra minha amada,

Com lendas a boiar no azul do espaço,

Deixa encostar-me a fronte fatigada

Na curva sensual do teu regaço!

 

Jardim de encantamento, obra de preço,

Fulgor e riso em fontes de cristal,

És a mais linda terra que conheço

Em todo o meu soberbo Portugal!

 

Pintores de Portugal, ajoelhai!

Isto é um milagre, não é cor nem tinta!...

Mas não pinteis, pintores! Orai, rezai!

Uma beleza destas não se pinta!...

 

Nota:

Os versos da última quadra foram escolhidos para figurar no monumento de homenagem a Teófilo Carneiro, existente em Ponte de Lima, voltado para o rio Lima.

O clássico tópico da comparação da poesia à pintura, de herança horaciana (ut pictura poesis), formulado aqui através da analogia entre a perfeição da paisagem limiana e a necessidade de composição de uma obra pictórica aparece noutros poemas de Téófilo Carneiro, como no soneto “No Monte da Madalena”, onde o tópico está ao serviço da emocionada descrição de um “quadro de beleza idílica”.

José Cândido de Oliveira Martins

In: Teófilo Carneiro – Poesias e outros dispersos, Opera Omnia, 2006, págs. 110 e 111

 

 

 

 

NO MONTE DA MADALENA

 

(Última poesia)

 

Vim hoje ao Monte e pus-me a contemplar

A maravilha da paisagem límica

Com seu lendário rio a deslizar

Por entre várzeas de frescura idílica…

 

Vi serras azulinas a cismar,

O donaire do vale e a graça lírica

Da doce verde vila até ao mar,

Como num quadro de beleza bíblica…

 

Senti o sol fulgindo de contente

Por repousar em terra tão amena,

Feita berço de luz resplandecente…

 

Ouvi ao longe os ecos duma avena

E trovas de pastora adolescente…

Mas não parou o tempo – e tive pena.

 

Nota:

Subindo a um lugar elevado, como o monte da Madalena, fronteiro à vila de Ponte de Lima, o sujeito poético aproveita a vista panorâmica, com o rio serpenteando docemente por entre a bucólica paisagem limiana, para traçar um sugestivo e idílico quadro pictórico. O mesmo tópico da analogia entre a descrição poética e a beleza de um quadro é retomado noutros textos do poeta.

José Cândido de Oliveira Martins

In: Teófilo Carneiro – Poesias e outros dispersos, Opera Omnia, 2006, pág. 171

 

 

 

 

PAISAGEM NUPCIAL

 

Trago, Senhor, meus olhos enlevados

Nesta paisagem fresca, sensual,

– A mais linda, talvez, p’ra namorados,

Que há debaixo do céu de Portugal!

 

Sinto no azul o aroma dos noivados

Como se o ar florisse em laranjal,

E visiono corpos enlaçados

Na terra armada em leito conjugal…

 

Olho encantado os píncaros dos montes

Que, de serem redondos como seios,

Dão um ar de lascívia aos horizontes!

 

Mergulho em longos, loucos devaneios…

Vejo confeitos de cristal nas fontes

E o Lima, ao fundo, em lúbricos conleios!...

 

In: Teófilo Carneiro – Poesias e outros dispersos, Opera Omnia, 2006, pág. 156

 

 

 

 

LUAR DE AGOSTO

 

No areal extenso bate a lua em cheio

E a velha, a secular ponte de pedra, à hora

Em que o luar é leite e a lua branca um seio,

Tem a concentração beata de quem ora!

 

Ao fundo o claro Lima, preso em doce enleio,

Emocionado – canta; se não canta – chora,

Tange que tange as cordas finas do seu veio,

Alucinado e belo pela areia fora!...

 

São gaivotas, dormindo, as alvas ermidinhas,

Escorrem das vertentes pingos de luar

E as casas velhas surgem muito caiadinhas…

 

O verde de esmeralda toma um tom lunar,

Ergue no azul a brisa mornas ladainhas

E eu sinto uma vontade enorme de rezar!...

 

In: Teófilo Carneiro – Poesias e outros dispersos, Opera Omnia, 2006, pág. 159

 

Ponte de Lima no Mapa

Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

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