Teófilo Carneiro

 
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Teófilo Carneiro




José Cândido de Oliveira Martins



Teófilo Carneiro e o sentimento da paisagem limiana

“Ponte de Lima, ó terra minha amada, / Com lendas a boiar no azul do espaço, / Deixa encostar-me a fronte fatigada / Na curva sensual do teu regaço!” – assim reza uma estrofe do conhecido poema dedicado a Ponte de Lima por Teófilo Carneiro (Ponte de Lima, 1891-1949), admirado jurista e poeta de mérito firmado.

Paisagem e literatura sempre constituíram um binómio fecundo, num processo de interacção conhecida ao longo da história da cultura, desde as percepções topográficas inspiradas em lugares históricos, até à criação de lugares mais ou menos ficcionais e mesmo alegóricos (utopias). Sob múltiplos diálogos e perspectivas, e como forma de falar da condição humana de estar no mundo, os escritores sempre falaram da paisagem desde, pelo menos, a tradição bucólica de Teócrito ou de Virgílio, até aos românticos de Oitocentos e aos tempos actuais, cada vez mais urbanos, tecnocráticos e ecológicos.

A título de exemplo, um dos contributos mais representativos da célebre generación del 98, em Espanha – a que pertenceram ilustres figuras de poetas e de intelectuais – foi justamente o de enfatizarem a importância da pintura da paisagem. Recolhendo textos publicados previamente entre 1906 e 1909, ainda hoje de uma agradabilíssima leitura, Miguel de Unamuno (1864-1936), o autor de Por Tierras de Portugal y España [1911], exprime bem a intuição desse grupo geracional – a do encantamento pela viagem como forma de pintura íntima do espírito de um lugar e, latamente, de patriótico conhecimento da alma de um povo: “Para conocer una patria, un pueblo, no basta conocer su alma [...], lo que dicen y hacen sus hombres; es menester también conocer su cuerpo, su suelo, su tierra”; e mais adiante: “No ha sido en libros, no ha sido en literatos donde he aprendido a querer a mi patria: ha sido recorriéndola, ha sido visitando devotamente sus rincones”, espaços repletos de história, de lenda e de poesia. (Madrid, Alianza Editorial, 2006, pp. 165 e 170).

Independentemente de Teófilo Carneiro ter conhecido as obras dessa influente geração espanhola ou a do salmantino Unamuno, pode dizer-se que a escrita poética do autor limiano comunga desse ideário de re-criação da paisagem. Com efeito, a sua poesia expressa com reconhecida intensidade a terra limiana, isto é, o emocionante sortilégio causado pela paisagem geográfica da Ribeira Lima. Mesmo sem derivar directamente da viagem ou da deambulação física, a escrita de Teófilo radica nesse espírito de manifesta filia.

Aquilo que pode parecer um exercício criativo simples, e até um preito de homenagem à terra natal, poderia facilmente transformar-se – na pena de um pobre versejador – num chorrilho de lugares-comuns mais ou menos estafados e destituídos de conteúdo, ou ainda numa manifestação de regionalismo estereotipado. Não assim na escrita de Teófilo Carneiro, que consegue transmitir na singeleza dos seus versos as fundas impressões causadas pela sedutora paisagem limiana, qual jardim de memoráveis encantamentos: “Ó terra abençoada, onde escutei / Tanto segredo em tanta boca amada, / Conta-me os teus também, que os guardarei, / Como se fosses minha namorada!”.

Com tonalidades neogarretistas e neo-românticas, na escrita de Teófilo entrelaçam-se a terra e o homem, num variado leque de sentimentos, que vão desde um fundo patriótico até ao louvor da tipicidade dos lugares, sem esquecer as tonalidades bucólicas, da melancolia ou de um certo misticismo, que só um poeta sabe incutir às palavras com que pinta o mundo – como no poema “Paisagem Nupcial”, onde se lê esta representação edénica: “Trago, Senhor, meus olhos enlevados / Nesta paisagem fresca, sensual, / – A mais linda, talvez, p’ra namorados, / Que há debaixo do céu de Portugal!”.

Mais do que captação do pitoresco, reafirma-se na escrita de Teófilo a íntima empatia entre a paisagem geográfica e paisagem humana, numa relação indissociável – afinal, os seres humanos também são o lugar onde nasceram e onde vivem. Ponte de Lima é a pátria (no sentido romano) de almas sensíveis como Teófilo, a terra materna que o viu nascer e constitui o lugar central (axis mundi) de onde vê o mundo, mesmo a partir de uma telúrica áurea mediania: “Pastor de ovelhas me sonhei um dia / Nos montes da ribeira limiana, / – Rebanho tão formoso não havia / Em qualquer outra serra lusitana.”

Na senda de outros autores limianos ou poetas do Lima (de Diogo Bernardes a António Feijó), recria Teófilo a beleza idílica e encantatória da paisagem limiana – nas suas palavras, “A maravilha da paisagem límica” ou a “Feiticeira do Lima” –, captando o espírito do lugar (genius loci), do lendário Letes e da moldura paisagística envolvente: “Ó terra onde eu nasci, terra de encanto, / Cheia de graça, ó cheia de beleza, / Deixa afirmar, nas vozes do meu canto, / Que és a mais linda terra portuguesa! [...] // Rainha da Beleza, eu te saúdo, / Eu te venero, ó deusa, em teu altar... / E rezo-te em silêncio, rezo mudo, / Cerrando os lábios p’ra melhor rezar!”.

O leitor interessado na evocação da figura de Teófilo Carneiro pode encontrar detalhadas informações quer na edição do volume sobre as Figuras Limianas (2008, pp. 339-341); quer na reedição das suas Poesias e outros dispersos (Opera Omnia, 2006), obra com edição póstuma em 1952. Na releitura da poesia deste poeta-pintor – ou “poeta da paisagem”, como alguém lhe chamou – sempre encontrará o leitor a afirmação de um sentido louvor da terra limiana.

Publicado na LIMIANA – Revista de Informação, Cultura e Turismo n.º 23, de Junho de 2011

 

Ponte de Lima no Mapa

Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

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