António de Araújo Soares

 

António de Araújo Soares


Artista vianense que trabalhou para o Município de Ponte de Lima como Desenhador e Decorador após o seu regresso de Moçambique, em 1975. Faleceu em Viana do Castelo a 12 de Janeiro de 2007, aos 79 anos de idade.

 

 

 

Adelino Silva

Araújo Soares: As cores do Minho ao VIVO
(Artigo publicado na Límia – Revista Regional  n.º 20, de Agosto de 1996)

 

Araújo Soares: "Um dos maiores artistas de sempre da cidade da foz do Lima."
Nuno Lima de Carvalho, Director da Galeria de Arte do Casino do Estoril

"( ... ) No caso de Araújo Soares, ao longo de 30 anos, o segredo é muito simples: está no brilho, na fortuna, no doseado da cor. Quando Deus criou o Minho tê-lo-á consultado? Desconfio que sim."
Ricardo de Saavedra, Editor Executivo do "Diário de Notícias"

 

António de Araújo Soares nasceu em 15 de Novembro de 1927, na cidade de Viana do Castelo, na Ribeiro Lima, uma região que Ramalho Ortigão proclamou como sendo "a porção de céu e de solo mais vibrantemente viva e alegre, mais luminosa e mais cantante" de Portugal.

A misteriosa beleza das paisagens idílicas, o encanto e doçura das gentes limianas, a forma genuína como o povo do Minho se manifesta no trabalho, no divertimento e nos momentos de tristeza influenciou decisivamente o espírito artístico, o conceito de estética e o "estilo pessoalíssimo de revelar" (Wolfrang Hafner, Joanesburgo, 197 4) de Araújo Soares.

Mas, conforme refere Ricardo de Saavedra, se Viana cativa pela paisagem, pela arquitectura e pela fidalguia das gentes a "Araújo Soares, Viana enfeitiça pela cor", essa mesma cor que havia de deixar uma marca indelével em todo o seu percurso artístico.

 

As fases da carreira artística

Araújo Soares cedo evidenciou uma profunda sensibilidade artística, que se havia de revelar ao longo dos anos em múltiplas vertentes (pintura, desenho, cerâmica, decoração, tapeçaria) e que seria gradualmente aprofundada com a ajuda dos seus mestres: António Pedro, Palmira Mourão, Américo Gomes e António Joaquim Soares não esquece o papel do engenheiro Dias Coelho ao ter-lhe "aberto as portas" "na arte de fazer cerâmica".

Em trinta anos de percurso como artista, Araújo Soares passou por quatro fases: a "africana", a "humanista", a da "tinta da china" e a "regionalista", fase à qual hoje se dedica.

Em 1963 quando o escritor Ferreira de Castro visitou uma exposição de Araújo Soares, em Viana, deixou para o mundo um aviso lapidar: "[Soares é] mais humanista que Portinari, estou certo que terá um grande futuro".

As palavras de Ferreira de Castro haviam de cumprir-se e, hoje, como muito bem refere Nuno Lima de Carvalho, assiste-se "à consagração de um apaixonado percurso artístico de um homem dotado de um singularíssimo humanismo e generosidade".

Sobre a exposição que Ferreira de Castro visitou, "O Comércio do Porto", lembrando aos leitores as marcas que Soares havia deixado como ceramista antes de partir para terras africanas, escreveu: "António Soares era em Viana ceramista, assinando alguns trabalhos que hoje se guardam com carinho e como primícia duma ascensão artística que iria desencadear-se no palco onde ele agora se exibe. Não conhecemos os meandros da Arte de pintar; não temos veleidades nem pretensões a crítico; apenas sentimos ou não a obra de arte. Esta sentimo-la.”

 

A Fase "Africana": "valeu a pena ao País a necessidade da ida a África do Soares."

Em 1959, com 32 anos, Araújo Soares parte para África, para Moçambique, terra que o deslumbrou com tal intensidade que "depressa conquistou um nome e um estilo ao lado de grandes artistas como João Aires, Malangatana, Roberto Chichorro e muitos outros", lembra Nuno Lima de Carvalho.

Ricardo de Saavedra, actual Editor Executivo do "Diário de Noticias", autor de "Os Dias do Fim", um vibrante romance, editado em 1995, sobre o processo de descolonização em Moçambique, que o autor viveu por dentro passo a passo (a capa é de Araújo Soares) e que tem acompanhado de perto a carreira de Soares (é com grande emoção que sentimos o "gosto" dos muitos comentários por ele escritos sobre a vida e obra de Soares), referindo-se à fase "africana" do artista, vinca: "Habituado que ando, desde Moçambique, ao traço violento, passeio pelas vértebras do seu mãos de nada, pelo espanto do prato em branco, pela religiosidade da oblação ao deus da lua branca."

Durante os 15 anos que viveu e trabalhou em África, como docente na Escola Secundária Mouzinho de Albuquerque e como responsável pela decoração dos Pavilhões de Portugal e de Moçambique em toda a África austral, Soares vai retratando de forma suprema as múltiplas facetas da vida daquele continente em centenas de telas, que periodicamente traz à metrópole, para mostrar aos seus conterrâneos. É numa dessas exposições, realizada em Viana, em 1970, que o professor João Duarte, extasiado com a cor “que vai da fase lindinha da Primavera ao esbraseado ardente do sol africano, registou no jornal “Aurora do Lima”: “Eu admiro a característica e penso e repenso como o Fernando Pessoa: valeu a pena ao País a necessidade da ida a África do Soares.”

 

A Fase "Humanista": "o pintor dos povos"

A fase humanista na pintura de Soares tem caminhado sempre lado a lado com a "africana", com a "tinta da china" e com a "regionalista".

O jornalista Filipe Fernandes, com a alma fascinada diante dos sessenta quadros sobre costumes moçambicanos, presentes na exposição de 1970 (que João Duarte visitou), apontou os seus sentimentos: "Em cada um deles há beleza, vida, cor, humanidade. Há mais alguma coisa além da forma que os nossos olhos vêem: a alma das coisas, a alma dos personagens ( ... ) que ora ri, ora chora, e nos comunica os sentimentos que o pintor tão fielmente soube surpreender e reproduzir".

Destacando o humanismo, que transpira dos óleos de Soares, Rui Pinto sustenta que aquele artista é o "pintor dos povos" , salientando que "a sua obra é, antes de mais, a projecção de uma sensibilidade e de um sentido humanitarista que chegam a raiar a filantropia pura, porque Araújo Soares não é seguramente, apenas e só um retratista ou um bom executante".

 

A Fase da "Tinta da China": "única no País"

Em 1975, após a independência da ex-colónia portuguesa, Araújo Soares regressou de vez a Portugal, radicando-se em Viana do Castelo, a sua terra natal, com quem mantém uma profunda paixão.

Soares "fez do Minho o seu reino" (Ricardo de Saavedra), deixa os temas africanos e parte à procura dos temas do Minho, os quais retrata marcadamente na fase conhecida pelo nome de "tinta da china".

Ricardo de Saavedra ilustra superiormente a mudança no rumo artístico de Soares com o seu regresso à metrópole: "Soares hesita, falta-lhe o grito do sol ofuscante mas sobra-lhe a tessitura da cor. É a sua fase da tinta da china colorida, única no Pais". E lembra: "Soares trazia o imaginário grávido de vermelhos e azuis tórridos. O desenho era ríspido, violento, mãos disformes, bocas de fome, exageros arqueados como gritos. Os olhos saíam-lhe amarelos e rasgados, que é jeito de pincéis pintarem desespero".

Manuela Azevedo, depois de visitar uma exposição de Soares, realizada em 1981, na Galeria de Exposições da Junta de Turismo da Costa de Estoril, comenta esta fase da "tinta da china": "Há uma crispação nas linhas do desenho da Araújo Soares, traços duros, gente feia como a de Goya e de Nalde, rostos sulcados pelo arado, pois é o povo curtido pelo sol ao ar livre este que o artista retrata (…). Gente que vive e que, na forma telúrica que respira, faz lembrar painéis plásticos arrancados à prosa de Aquilino.”

 

A Fase "Regionalista": "o artista da cor de que o Minho se veste"

Gradualmente Soares entra na fase "regionalista". O artista explica a diferença: "A fase da "tinta da china" tinha contornos mais definidos, era mais desenhada: a "regionalista" baseia-se mais na cor, não é tão dura".

E é mais uma vez Ricardo de Saavedra que fala sobre a etapa "regionalista" de Soares: "Nele, o desenho é dom natural. Onde desafia o comum dos mortais é na cor. E isso da cor já é um dom de Deus, talvez bebido nas margens do rio do inferno, deleitoso rio, que arquiva todas as memórias".

Também Rui Pinto realça o papel da cor na pintura de Soares: "Porque em Araújo Soares a cor é um grito enorme. Um grito que se estende em todo o seu grafismo, ora luminosas nuances, ora num filigranado delicado, sereno, rico."

Nuno Lima de Carvalho, um dos nomes mais autorizados para comentar a arte em Portugal, um incondicional seguidor do percurso artístico de Soares, sobre a fase "regionalista" observa: Araújo Soares é o artista da cor de que o Minho se veste".

Depois, Lima de Carvalho como que a lembrar aos responsáveis com pouca sensibilidade artística, dispara: "Soares é um grande artista e muito, também, um homem do Povo, que nas ruas de Viana da sua vida, se confunde com a gente, o cidadão comum, que não sabe que ali vai um dos maiores artistas de sempre da cidade da Foz do Lima".

E aqui, mais uma vez, recorremos a Ricardo Saavedra, que lança uma sugestão: "Não seria altura de pesquisar na aldeia global e de reunir, em álbum, o desenho e o verde-vermelho de todos os tons desse que é o pintor vivo mais conhecido da cidade bonita de Viana?"

 

Um percurso de 30 anos

Ao longo de trinta anos da sua carreira artística, Araújo Soares participou em cerca de duas centenas de exposições individuais e colectivas, encontrando-se as suas telas espalhadas por todo o mundo. Das suas exposições destacou para a "Límia" aquelas que mais o marcaram: duas realizadas em Bruxelas, na Bélgica, em 1979 e em 1981; no Estoril, em 1981; em Joanesburgo, em 1982; e no Festival Cabrillo, em San Diego, nos Estados Unidos da América, em 1989, ano em que foi o único artista português convidado.

Mas há uma exposição que o tocou de uma forma especial. Em 1995 a Câmara Municipal de Matosinhos veio buscá-lo a Viana para comemorar os seus 30 anos dedicados à pintura, organizando uma grandiosa exposição na Galeria dos Paços do Concelho, do Município presidido por Narciso Miranda. Araújo Soares regista com gratidão a forma carinhosa como foi recebido, privilégio concedido somente aos melhores. E aqui perguntamos: será que as autoridades de Viana retiraram alguma lição da bonita atitude da autarquia de Matosinhos? Quanto a nós parece-nos bem que não, porque foi triste não vermos Soares na exposição colectiva, denominada "Pintores do Alto Minho", que as dez Câmaras Municipais realizaram entre Outubro de 1995 e Janeiro de 1996.

Essa atitude a Soares não preocupa, porque não lhe faltam centenas de admiradores espalhados por todo o mundo, do mais elevado nível cultural, como por exemplo, os seus amigos Zélia e Jorge Amado: "Caro amigo recebemos ontem, enviados pelo nosso bom amigo Natário, os dois desenhos, ambos excelentes, nos quais o mestre pintor fixou no papel as nossas fisionomias: a de Zélia e a minha. ( ... ) Para nós trata-se de uma honra que nos comove e envaidece".

Hoje a vida de Araújo Soares confunde-se com a pintura. "Soares trabalha sempre, sempre. Sentado à mesa do café, caminhando, conversando ou no seu atelier Soares é um trabalhador em potência" (Rui Pinto). Artista incansável, aproveita todo o tempo para criar. "Mãos inquietas, muito direito, mas sempre nervoso, como se um vulcão interior o queimasse" (Ricardo de Saavedra) é um raro privilégio vê-lo a passar para o papel o retrato de um amigo, ou então a esboçar pormenores para futuros trabalhos, ali mesmo na esplanada do "Zé Natário", entre o cidadão comum, dando inteira razão a Wolfrang Hafner (Joanesburgo, 1974), quando diz que Soares "faz a colheita cuidadosa das cenas da vida".

Soares já fez muita coisa na vida, mas sublinha que "gosta de gostar de pintar'' e, para que não restem dúvidas, vinca: "Isso ainda é mais do que gostar".

 

Ponte de Lima no Mapa

Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

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