A admirável epistolografia de António Feijó, por João Araújo Pimenta

 

A admirável epistolografia de António Feijó, por João Araújo Pimenta



João Araújo Pimenta



O estro de António Feijó não só brilhou na poesia, mas também no âmbito da epistolografia. Este género literário cultivou-o este nosso ilustre ponte-limense com esmero, sendo actualmente considerado um dos grandes vultos do epistolário português. Exemplares do vasto legado das suas cartas podem ler-se em antologias, e numa delas, editada em 1965 – "A epistolografia em Portugal", de Andrée Crabbé Rocha –, encontramos essas missivas a ombrear com outras de uma plêiade de autores consagrados: D. Francisco Manuel de Melo, Pe. António Vieira, Afonso de Albuquerque, Camilo Castelo Branco, Marquesa de Alorna destacam-se entre os epistológrafos incluídos nessa publicação, a qual selecciona cerca de meia centena.

Na actualidade, ao surgir a era da comunicação electrónica observa-se, com certa mágoa, o quase total desmoronar da antiga arte de cartear. Tudo mudou, até o clássico "post scriptum" não pode agora servir de subterfúgio para muitas vezes o autor da epístola aí colocar o assunto principal, devido ao facto de a nova tecnologia ter eliminado a possibilidade de tal ardil.

Nos tempos do nosso poeta-diplomata, a epistolografia era uma arte literária cujos cultores se excediam em estreme perfeccionismo. A história da literatura portuguesa é fértil em descrições de escritores – Camilo Castelo Branco é um deles – a passarem noites em claro, à luz das velas, na lide de apuramento da sua correspondência epistolar. O temperamento de António Feijó propício à criação de numerosos amigos, e a emigração inevitável criada pela vida diplomática que abraçou, foram o "primum movens" para hoje podermos desfrutar de um valioso acervo epistolar onde avulta a sua alma poética. Durante a estada na Escandinávia, onde passou longos anos, redigiu a maior parte das suas cartas, que reflectem bem o amor que este poeta tinha ao berço natal e a necessidade de comunicar com conterrâneos e amigos.

A publicação dessas cartas ocorreu principalmente em várias edições do "Almanaque de Ponte de Lima", os jornais "Cardeal Saraiva" e "Aurora do Lima”, a revista "O Instituto" de Coimbra e, por último, na Imprensa Nacional-Casa da Moeda (IN-CM).

Um exemplo do seu estilo humorístico e encantador encontra-se numa carta enviada de Estocolmo, em 17 de outubro de 1914, a João Caetano Silva Campos, publicada no bissemanário "A Aurora do Lima" e depois no "Almanaque de Ponte de Lima" de 1933.O tema dessa missiva é fruto das sequelas na alma poética de Feijó causadas por "um singelo artigo à laia de epicédio" daquele seu amigo e publicado por ter acabado o velho e popular "Café Camões", estabelecimento que é hoje a actual "Confeitaria Havaneza" em Ponte de Lima. As limitações no texto impedem-nos a transcrição desta carta, na qual António Feijó nos dá o testemunho do seu espírito jovial, das saudades e das peripécias ocorridas numa sua visita ao "Café Camões", durante aquela que viria a ser a sua última vivência na terra natal. Confessa que entrara no célebre Café "acudindo ao apelo evocador da minha saúdade". Mais adiante escreve, referindo-se ao ambiente exótico por si aí encontrado ao ouvir os fregueses pedir "salsaparrilhas" e "sodas": – "tinha-me com certeza enganado na porta. Não estava no "Café Camões"; estava numa botica... Não faltava nada; só não havia gamão", e, frustrado, acabou por ir para cima da ponte medieval "dilatar o espírito naquela paisagem incomparável – montes, rio, luar, ermidas brancas, areias d'oiro...".Por fim, afirma que não deixará de voltar ao local do velho Café numa futura visita: "A questão é matar saúdades, que são muitas e sempre vivas, como certas flores que nunca murcham, e a que se deu por isso o nome de "perpétuas".

Que este breve apontamento, além de lembrar a mestria de António Feijó como epistológrafo, sirva ainda para lembrar e lamentar o quase abandono a que nos tempos recentes tem sido votada a sua obra poética nos círculos literários portugueses. Para debelar este mal, muito contribuirão certamente uns festivais em Ponte de Lima para estimular o aparecimento de ensaios acerca dessa extensa obra poética e epistolográfica.

E, à laia "post scriptum", resta-nos deixar um repto à gerência da "Confeitaria Havaneza": o assunto da carta atrás referida parece-nos bastante interessante para lhe ser sugerida a encomenda a um artista conceituado de um cartão destinado a um painel de azulejos a colocar no estabelecimento. Seria, certamente, uma obra de arte a embelezar o local do antigo e histórico "Café Camões", de grande interesse para o turismo local e ao mesmo tempo atracção de clientes. A evocação do nosso grande poeta bem o merece.

Ponte de Lima, maio de 2020

 

Ponte de Lima no Mapa

Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

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