Cláudio Lima, A Foz das Palavras, por José Cândido de Oliveira Martins

 

Cláudio Lima, A Foz das Palavras, por José Cândido de Oliveira Martins



José Cândido de Oliveira Martins



 

Ao completar 40 anos de vida literária e ao publicar mais um título de poesia, Cláudio Lima é credor de merecida homenagem. Nesta efeméride, o reconhecimento público é uma forma de gratidão, de júbilo e de incentivo; as homenagens póstumas são sempre tardias, injustas e necrófilas...

 

O escritor Cláudio Lima (n. 1943) acaba de publicar um agradável e surpreendente volume de poesia, intitulado A Foz das Palavras. Editada em finais de 2009, esta obra mereceu recentemente o Prémio Nacional de Poesia (2008) Fernão de Magalhães Gonçalves – prémio simbólico, instituído pela editora Tartaruga e atribuído pela segunda vez. Esta edição constitui, por isso, um bom pretexto para breve considerando, em jeito de singela homenagem à extensa e apreciável obra do autor.

O presente volume de poesia A Foz das Palavras é a republicação da primeira obra do autor, editada no distante ano de 1970 (Lisboa, Editora Dilsar). Ao contrário de muitos escritores que renunciam às suas criações iniciais, por imperfeitas ou não amadurecidas, Cláudio Lima revê-se nessas primícias literárias. Numa atitude coerente e amadurecida, o criador não renega os textos da sua juventude, os frutos da possível imaturidade criativa; antes os reconhece filialmente como umbral de um longo caminho de escrita.

Como é compreensível e legítimo, apenas procedeu a uma ligeira revisão dos vários poemas que constavam da obra primeira, não subvertendo a criação original, nem alterando o quantitativo, nem sequer a ordenação macro-textual dos poemas. Ao nível da decisão autoral, a alternativa à leve reescrita poderia ser a extrema rasura da etapa inicial. Entre outros sentidos, o gesto da assunção significa – primeiro, que o autor se reconhece nesses textos da juventude; segundo, que ainda se revê em algumas das linhas temáticas que os estruturam; enfim, que essa obra inaugural é assumida como uma etapa integrante de um percurso.

Cabe também relembrar que muitos destes textos foram inicialmente publicados nas páginas de vários jornais da época (em final dos anos de 1960), tais como Diário de Lisboa, República, Jornal de Letras, etc. Isso não significa que o primeiro volume de A Foz das Palavras, publicado aos vinte e sete anos, recolha todos os textos que o autor até então escrevera ou publicara dispersamente. Aliás, assinale-se que prestigiados escritores portugueses também se iniciaram nas páginas do suplemento “Juvenil” do Diário de Lisboa.

Esta publicação é enriquecida com um oportuno posfácio, da autoria de Fernão Magalhães Gonçalves, publicado no jornal Diário Popular (30 de Abril de 1970) pouco tempo após a saída de A Foz das Palavras. Independentemente do facto de autor e crítico se ligarem por circunstâncias da vida, bem como por laços de amizade e de cultura literária, o posfácio revela a capacidade de apreciação crítica; a argúcia na detecção de algumas das principais dominantes temáticas da obra; e, sobretudo, a competência de antever as potencialidades do então jovem autor limiano.

Ao mesmo tempo, deve afirmar-se que A Foz das Palavras constitui uma grata surpresa, sobretudo para quem não conhecia esta primeira obra publicada. As primícias da poesia de Cláudio Lima, em A Foz das Palavras, são prenunciadoras da qualidade literária que se afirmará em futuras obras, da poesia à prosa; e, ao mesmo tempo, patenteiam já então a germinação de algumas das linhas de força temática que depois se desenvolverão em criações posteriores.

Entre outras dominantes desta poética juvenil, são reconhecíveis:

i) o pendor existencialista da interrogação sobre a condição humana (“mística viagem” em busca de uma “síntese redentora”);

ii) a tensão pessimista entre os ideais e as constrições da realidade circundante (dialéctica Quixote/Job);

iii) a angústia antropológica diante da finitude e das cifras de transcendência na “cidade dos homens”;

iv) a celebração do sentimento do amor com laivos pagãos de sensualidade intensa;

v) a meditação metapoética sobre a própria matéria da escrita, como no poema epónimo, sob a inspiração de uma metafórica fluvial: “Desaguam na margem esquerda dos dias / mais correntes / direitas aluadas esguias / cheias de afluentes // trazem na aljava flechas agressivas / para a verdade que se lhes pendura // os poetas comem-nas vivas / e morrem dessa loucura”.

Estruturado em cinco andamentos ou partes desiguais, A Foz das Palavras revela, necessariamente, uma escrita filha da “filosofia do tempo”, sem ser irremediavelmente datada. Significa isto que algumas referências culturais e literárias, expressas ou implícitas, bem como algumas opções temáticas e estilísticas, apresentam uma ligação visível à atmosfera singular e conturbada da década de 1960. Porém, grande parte desta escrita não sofreu a erosão do tempo, transcendendo-o em qualidade estética e poder de sugestão, como este derradeiro poema cujo incipit se inspira num verso de Eugénio de Andrade:

que posso fazer senão beber-te os olhos

manhã original das minhas lágrimas

que posso querer-te

mais que a impossível imagem do teu rosto

que posso fazer senão podar-te os lábios

como quem cultiva uma haste de tristeza

que há-de rebentar num sonho de Picasso

numa natureza viva sobre a mesa

que posso eu vestir-te poesia

mais que os faustosos trapos da demência

com que me dou à boda dos sentidos

de joelhos quebrados pervertidos

que posso fazer senão beber-te os olhos

até me escorrerem dos ângulos da boca

até que o teu vinho-verde-mar-de-espuma

me cicie as veias uma a uma?

 

Publicado na LIMIANA – Revista de Informação, Cultura e Turismo n.º 17, de Abril de 2010

 

Ponte de Lima no Mapa

Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

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