Manuel Aurora – Autobiografia sintetizada

 

Manuel Aurora – Autobiografia sintetizada



Manuel Aurora



Nasci em Ponte de Lima, na Casa Nossa Senhora d’Aurora, em 16 de Abril de 1933. Naquele ano, o dia 16 calhou ser um domingo de Páscoa. Foi um dia naturalmente confuso e complicado, pois era natural que uma coisa não desse jeito para a outra, mas tudo, segundo me dizem hoje, correu muito bem. Foi um dia santificado e, além de tudo, foi o nascimento do nono filho.

Nunca fui, durante a minha educação colegial, um aluno excelente, mas consegui ser sempre aluno de nota média, pois não gostava de decorar, mas sim apenas de ler e ouvir. Fui aquilo a que se chama um preguiçoso mental. Foram primordiais os quatro anos de internato num colégio de Jesuítas, que muito contribuíram para a minha educação e para a habituação do sofrimento físico e mental.

Tirei mais tarde o curso de Engenharia Civil e Minas, quando sempre tive mais tendência para letras, mas a minha paixão era, e foi sempre, o campo, a liberdade de movimentos, o sol, a terra e o céu. Acontece até que foi durante os meus estágios do curso, que aconteceram os mais emocionantes momentos de vida profissional: no estágio de Minas, perdido lá nos Montes de Serva, em Mondim de Bastos, tive ocasião de baptizar uma criança de dez meses, filha de uma pobre família de campo, que, por sinal, morreu logo a seguir. Foi uma tristeza de espectáculo, mas uma alegria para a minha consciência; no estágio de Civil, fui encarregue de fazer o estudo do betão para o tabuleiro da Ponte da Arrábida, no Porto, o maior arco de betão da Europa, na época. O betão lá está, intacto, naquela ponte, talvez a mais bonita ponte de Portugal.

Vivi grande parte da minha mocidade no Porto, cidade pela qual me apaixonei e da qual ainda hoje sou um grande admirador. Jamais me poderei esquecer daquela avenida dos Aliados, das ruas dos Clérigos e de Santa Catarina, da velha rua de Cedofeita, da avenida da Boavista a ligar a cidade ao Atlântico, junto ao Castelo do Queijo, na Foz. Que beleza e que saudades, os passeios dados em tardes de sol nos jardins de oiro do Campo Alegre e nos jardins de roseiras floridas do velho Palácio de Cristal, de atravessar a Ponte de D. Luís que Gustavo Eiffel construiu, deixando para trás as velhas casas medievais do Cais da Ribeira. Porto, cidade dos mil e um cafés, o “Rialto”, o velho “Paládium”, o “Ceuta”, o “Avis”, o velhíssimo “Magestic”, o “Imperial” e tantas e tantas outras artes e engenhos que aquela cidade desperta e jamais é possível esquecer. Porto, cidade da histórica e emblemática torre dos Clérigos, dos incontáveis palácios da loucura de Nicolau Nasoni, como o solar da Prelada, o Palácio das Sereias e o Palácio do Freixo e tantos outros palácios da antiga História Medieval que enriquecem aquela cidade do trabalho, da dureza e da alegria.

Deixei o Porto com tristeza, saudades, muita expectativa, e segui em frente. E um dia, apanhei o Rápido, na Estação de S. Bento, aquele comboio que, àquela hora e todos os dias, era tradição encher a plataforma de um mundo de gente que se despedia de quem partia para Lisboa. Parti, e não voltei. Foi em princípio dos anos sessenta, quando dirigia a minha vida para o Sul, para Lisboa, para início da vida e do trabalho.

A minha vida desportiva baseava-se na caça, na vela e no automobilismo, que tudo praticava nas horas e dias vagos, e tudo isso, especialmente a caça e o automobilismo, me levaram a conhecer o mundo, através da Europa, da África e da América.

Em Lisboa, cidade das sete colinas, que eu vivi de todas as formas, de noite, de madrugada e de dia, trabalhei em diversas empresas, diverti-me em conformidade com a idade, casei-me ao meu gosto e com a natural alegria, e hoje, mercê disso, tenho tês filhos e onze netos.

Voltava sempre nas férias a Ponte de Lima para gozar a terra que sempre amei, ver os amigos da infância e gozar a alegria das paisagens, das serras, dos vales e do rio. Era sentado nas margens do rio Lima que eu matava saudades a ver os peixes saltar, os patos a nadar e as gaivotas a voar. E por detrás daquele espectáculo via-se o mar das veigas de milho enquadradas pelas latadas de vinha, que, movidas pelo vento, pareciam dizer: “somos nós, o verde e dourado da Ribeira Lima”!

Mas a alegria e o trabalho tinham que ser interrompidos. Ao fim de uma dúzia de anos, mercê do 25 de Abril e do 28 de Setembro, perdi o emprego. Fazendo parte da “Maioria Silenciosa”, só me restou emigrar para Espanha e dali para o Brasil. e quando cheguei a S. Paulo com a família, cidade com cerca de dez milhões de habitantes, lembrei-me do célebre “grito do Ipiranga” que D. Pedro berrou em 1822: “se o povo quer que eu fique, eu fico!” E fiquei ali quatro anos, com grande sacrifício no princípio, mas acabando com bom emprego e satisfação. Gozei o Brasil de Norte a Sul. E ainda hoje tenho as maiores saudades daquele país enorme e riquíssimo. Como me recordo ainda daquele dia, parado numa estrada no norte de Goiás, já perto do Maranhão, admirar e, estarrecido, ver uma árvore completamente azul, um azul lindo, quando de repente um ruído fez disparar daquela árvore uma nuvem de aves lindas azuis, e a árvore ficar de novo verde! Era um bando de araras azuis. Que beleza!

E um dia, passados quatro anos, parti de novo. Deixei aquele Brasil enorme e despedi-me das noites quentes e longas, das águas salgadas dos mares e águas doces dos rios, das árvores grandes floridas e verdes, dos campos longos de cana-de-açúcar e das cidades enormes cheias de gente boa, simpática e a falar o português a cantar. Em 1978 voltei, e voltei para passar o Natal em Ponte de Lima.

Mais tarde, de novo em Lisboa, retomei a minha vida profissional em várias empresas de construção civil. Voltei a viver, agora com a família mais crescida, uma vida mais calma, mas sempre mais entusiasmada. Acabei os últimos anos de profissão como avaliador de imóveis para vários bancos portugueses, o que foi uma forma de conhecer melhor toda a Lisboa e a Grande Lisboa.

Reformei-me um dia, perto dos 65 anos, e então tive a grande oportunidade de começar a dividir a minha vida: Primavera e Verão em Ponte de Lima; Outono e Inverno em Lisboa. E assim faço até morrer, num ou noutro lado. Prefiro Ponte de Lima.

Este é um resumo da minha autobiografia, aliás, muito sintetizada, mas a verdadeira autobiografia pode ser bem observada e entendida no meu livro “O Menino, o Homem e o Rio”.

Manuel Aurora

Lisboa, 18 de Outubro de 2016

 

Ponte de Lima no Mapa

Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

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